
Homilia do Cardeal Mamberti na IX Missa do Novendiali

Imagem: Vatican Media
Veneráveis Cardeais,
queridos irmãos no episcopado e no sacerdócio,
amados irmãos e irmãs,
A Liturgia da Palavra deste último dia da novena em sufrágio do Papa Francisco corresponde ao Evangelho do dia, o do terceiro domingo da Páscoa. Nele, o evangelista João nos apresenta o encontro de Jesus ressuscitado com alguns apóstolos e discípulos às margens do mar da Galileia. O episódio termina com a missão confiada a Pedro e o chamado direto de Jesus: “Segue-me!”
Essa cena nos recorda a primeira pesca milagrosa, narrada por Lucas, quando Jesus chamou Simão, Tiago e João, dizendo a Simão que ele seria pescador de homens. A partir daquele momento, Pedro seguiu o Senhor — às vezes sem entender e até mesmo negando-o. Mas nesse reencontro, o último antes da ascensão de Cristo ao Pai, Jesus confia a Pedro o cuidado do seu rebanho.
O amor é a palavra-chave dessa página do Evangelho. O primeiro a reconhecer Jesus é o “discípulo que Jesus amava”, João, que exclama: “É o Senhor!” Imediatamente, Pedro se lança ao mar para ir ao encontro do Mestre. Depois de partilharem o alimento — que certamente trouxe à memória dos discípulos a Última Ceia — inicia-se o diálogo entre Jesus e Pedro: a tríplice pergunta de Jesus e as três respostas de Pedro.
Nas duas primeiras vezes, Jesus usa um verbo forte: “amar”. Mas Pedro, ainda lembrando-se da sua traição, responde com o mais modesto “querer bem”. Na terceira vez, Jesus também adota o termo usado por Pedro, descendo até a medida da sua fragilidade. Como comentava o Papa Bento XVI:
“Simão entende que Jesus se contenta com o seu pobre amor, o único que pode oferecer. (…) É justamente essa adaptação divina que dá esperança ao discípulo, que conheceu a dor da infidelidade. (…) Daquele dia em diante, Pedro seguiu o Mestre com plena consciência da sua fragilidade — mas essa consciência não o desanimou. Ele sabia que podia contar com a presença do Ressuscitado ao seu lado (…) e assim também nos mostra o caminho.”
Na homilia da Missa pelos 25 anos de seu pontificado, São João Paulo II confidenciava:
“Hoje, queridos irmãos e irmãs, quero partilhar com vocês uma experiência que já dura um quarto de século: todos os dias, em meu coração, acontece o mesmo diálogo entre Jesus e Pedro. Em espírito, contemplo o olhar bondoso de Cristo ressuscitado. Ele, mesmo conhecendo a minha fragilidade humana, me convida a responder com confiança como Pedro: ‘Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo’. E então me chama a assumir as responsabilidades que Ele mesmo me confiou.”
Essa missão é o próprio amor que se faz serviço à Igreja e à humanidade. Pedro e os Apóstolos assumiram essa missão de imediato, fortalecidos pelo Espírito Santo recebido no dia de Pentecostes, como ouvimos na primeira leitura:
“É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, que vocês mataram pregando-o numa cruz. Deus o exaltou à sua direita, como chefe e Salvador.”
Todos nós admiramos o quanto o Papa Francisco, movido pelo amor do Senhor e sustentado por Sua graça, foi fiel à missão até a exaustão de suas forças. Ele advertiu os poderosos de que é preciso obedecer a Deus antes que aos homens, e anunciou ao mundo inteiro a alegria do Evangelho, o Deus misericordioso, Cristo Salvador. Fez isso com seu magistério, suas viagens, seus gestos e seu estilo de vida. Eu estava ao seu lado no Domingo de Páscoa, na sacada das bênçãos desta Basílica, testemunha de sua dor, mas também de sua coragem e da sua firme decisão de servir o Povo de Deus até o fim.
Na segunda leitura, do livro do Apocalipse, ouvimos o louvor que todo o universo dirige Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro:
“Louvor, honra, glória e poder pelos séculos dos séculos.” E os quatro seres viventes diziam: “Amém” — e os anciãos se prostraram em adoração.
A adoração é uma dimensão essencial da missão da Igreja e da vida cristã. O Papa Francisco nos lembrava disso com frequência, como na homilia da Epifania no ano passado:
“Os Magos tinham o coração prostrado em adoração. (…) Quando chegaram a Belém e viram o Menino, ‘prostraram-se e o adoraram’. (…) Um Rei que veio para nos servir, um Deus que se fez homem. Diante desse mistério, somos chamados a dobrar o coração e os joelhos para adorar: adorar o Deus que vem na pequenez, que habita o cotidiano de nossas casas, que morre por amor. (…) Irmãos e irmãs, perdemos o hábito da adoração, perdemos essa capacidade que a adoração nos dá. Redescubramos o sabor da oração de adoração. (…) Hoje falta adoração entre nós.”
Essa capacidade de adorar era visível em Papa Francisco. Sua intensa vida pastoral, seus incontáveis encontros, tinham como base longos momentos de oração, moldados pela disciplina inaciana. Ele tantas vezes nos lembrou que a contemplação é “um dinamismo de amor” que “nos eleva a Deus não para nos afastar da terra, mas para nos fazer habitá-la mais profundamente.”
E tudo o que ele fazia, fazia sob o olhar de Maria. Permanecerão na memória e no coração suas 126 visitas diante da imagem da Salus Populi Romani. Agora, repousando próximo dessa imagem tão querida, o confiamos com gratidão e esperança à intercessão da Mãe do Senhor e nossa Mãe.