Direto da Sacristia
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O latim deve ou não continuar?

Postado em 23 outubro 2012por E. Marçal

[23 outubro 1962]

A quinta Congregação Geral iniciou esta manhã, no horário de sempre, como a Santa Missa celebrada por Mons. John Krol, Arcebispo de Filadélfia, nos Estados Unidos.

Ocupou em seguida a Presidência o Em.mo Cardeal Francis Spellman, Arcebispo de Nova York.

Segundo os cálculos fornecidos pelo Centro Mecanográfico, estavam presentes 2.363 Padres Conciliares.

Particular solenidade foi dada hoje à entronização do Evangelho: partindo da estátua de São Pedro, junto à qual está a mesa do Conselho de Presidência, Mons. Jean-Marie Villot, Arcebispo Coadjutor de Lyon e um dos cinco Subsecretários do Concílio, levou solenemente o livro dos Evangelhos por toda a nave central, antes de colocá-lo sobre o altar, enquanto a Assembleia cantava o salmo “Laudate Dominum”, alternando com o verso “Christus vincit”. […]

Continuou-se a seguir no debate, iniciado ontem, sobre a Sagrada Liturgia. As primeiras intervenções referiam-se ainda ao projeto de Constituição em geral. Houve, como ontem, pareceres diferentes, nos quais se refletem escolas, experiências e problemas diversos que, porém, revelam também identidade de desejo de afirmar o valor intrínseco da Liturgia para torná-la expressão viva e real do culto que a Igreja universal presta a Deus.

A meta prefixada pelos Padres, com o debate sobre o tema central da Liturgia, é a de favorecer sempre mais, mormente nos sacerdotes e, depois, nos fiéis, uma educação para a autêntica piedade litúrgica, a fim de que a Liturgia possa ser de fato fonte de graça e meio de salvação. O problema litúrgico está hoje no centro de uma atenção cada vez mais vasta e sensível.

Nem sequer faltam pedidos de reformas mais ou menos acentuadas, provindos de setores diferentes. A este propósito, já a Encíclica Mediator Dei distinguia na Liturgia entre elementos de origem divina e os de determinação humana: os elementos instituídos pelo Divino Redentor não podem, é claro, ser modificados pelos homens; mas os elementos humanos estão sujeitos a modificações, sempre aprovadas pela Sagrada Hierarquia, segundo as exigências dos tempos, das coisas e das almas.

Na discussão desta manhã, intervieram, [n.e. entre outros]:

Cardeal Alfredo Ottaviani, Secretário da Sagrada Congregação do Santo Ofício:
criticou a parte doutrinária do projeto, denunciando não poucas inexatidões.
Propõe que o texto seja revisto por uma comissão de teólogos.


Mons. Jacinto Argaya, Bispo de Mondoñedo-Ferrol, na Espanha:
é pela renovação litúrgica;
elimine-se o que com o tempo se acumulou
e hoje já não tem mais significado para nós;
acentue-se mais o essencial e menos o acidental;
é preciso voltar à simplicidade evangélica.

Terminadas as intervenções de ordem geral sobre o projeto, iniciaram-se os debates sobre o proêmio e o capítulo primeiro:

Cardeal Ernesto Ruffini, Arcebispo de Palermo, na Itália:
fez uma série de pequenas observações e correções ao texto.
Insistiu no latim como “signum unitatis”.

Patriarca Maximos IV Saigh, para os melquitas de Antioquia:

falou em francês. Disse que o uso do latim, no valor quase absoluto que lhe é dado na Igreja ocidental, parece a eles, do Oriente, coisa anormal.
Cristo mesmo falou a língua de seus contemporâneos.
Os Apóstolos e discípulos fizeram o mesmo. Jamais teriam tido a ideia de,
numa reunião da comunidade cristã, ler trechos da Sagrada Escritura,
cantar os salmos e fazer a fração do pão numa língua diferente
da usada pela própria comunidade reunida.
Lembrou então a palavra do Apóstolo São Paulo aos coríntios:
“Se dizes um louvor em espírito, como poderá o não iniciado dizer
o amém à tua ação de graças? Pois  que ele não sabe o que dizes.
Tu darás muito bem graças, porém o outro não se edifica.
Dou graças a Deus que falo em línguas mais do que todos vós;
porém, na igreja, prefiro falar dez palavras com sentido para instruir outros,
a dizer dez mil palavras em línguas” (1Cor 14, 16-19). […].
Lembrou, a seguir, o exemplo da própria Igreja de Roma,
que até meados do século III usou o grego na Liturgia,
simplesmente porque era então a língua usada pelos fiéis;
e quando começaram a falar em latim, também a Liturgia de Roma introduziu o latim.
E pergunta: “Por que hoje ela deixou de adotar este mesmo princípio?”
Declara também que cada língua é litúrgica, pois diz o salmista: “Louvai ao Senhor todos os povos”.

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