Direto da Sacristia
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“Serve bone et fidelis”

Postado em 20 agosto 2010por E. Marçal

Confiteor

Não sei se é apenas impressão minha, devido ao esforço de diariamente, publicar algum artigo no blog, mas acredito que essa semana passou depressa. Com esse esforço de manter o “Direto da Sacristia” sempre atualizado, entendo como é difícil fazer um blog com bons artigos e notícias. Sim, pois isso não limita a pesquisar e escolher acontecimentos da Igreja no mundo ou que se relacionem a ela, mas resumir, formatar, inserir mais detalhes nos textos e deixá-los de uma forma que agrade à leitura dos caríssimos leitores que visitam esta página.

 


Hoje falarei sobre a relatividade no cumprimento das normas litúrgicas, por aqueles que ainda trilham a formação sacerdotal – os seminaristas, em especial os seculares, dito diocesanos. É comum vermos muitos deles inclinados às rubricas dos livros litúrgicos, apreciarem a Tradição da Igreja; mas nem em todos os casos isso perdura. Vejamos o motivo. Para isso, classificarei os casos em quatro tipos.

 

O relativismo litúrgico

1º modelo – O impiedoso. Desenvolveu-se em muitos no Brasil, não sem lamentos, uma consciência que a atenção às normas da Sagrada Liturgia é algo secundário, tendo em vista a imensurável solicitude pastoral. O zelo com o povo é precedente ao zelo pela casa do Senhor e ao Seu culto. E não vemos seminaristas apenas com esse conceito, como também sem alguma expressão, ainda que remota, de piedade cristã. Certamente, a última é resultante da primeira. Sim, pois atento à teologia litúrgica e aos dogmas que nos são ensinados nas cerimônias, é impossível não criar na alma uma profunda e sincera devoção. Não falo de “pieguismo” – esse é repugnante. Parece que alguns ainda vivem nas terríveis décadas de 70 e 80, quando era peça rara um seminarista, de rosário na mão, recitando o Santo Terço. Não os culpo – nem os de antes, nem os hoje. Eles tinham a consciência formada pelos “teólogos” que não entenderam o Vaticano II. Melhor dizendo, os de hoje têm sim culpa. Hoje está mais evidente a delimitação entre o que é doutrina católica e o que não toma essa titulação. No percurso de 40 anos, já se começa a analisar o que o Vaticano II quer realmente – continuidade, e não ruptura doutrinal. Não que isso não tinha permanecido visivelmente claro, mas muitos teólogos e até mesmo eclesiásticos, turvaram a interpretação dos documentos conciliares e ainda vemos o que isso causou.

2º modelo – O sonhador. Alguém que racionalmente gostava da Liturgia. Em seus anos de seminário, vê na missa celebrada dignamente o correto. Dava os devidos valor e importância aos sagrados paramentos, como um dos meios de expressar a santidade e a beleza do que é celebrado. A veste talar era o símbolo de sua vocação: total desapego do mundo, mas com desejo de santificá-lo com o seu futuro ministério; ao mesmo tempo, expressa a vida sóbria e virtuosa que deveria assumir. Acreditava que o Santo Padre, mesmo morando em Roma, com o auxílio divino, tem conhecimento dos benefícios para toda a Igreja – desde as aldeias da África às paróquias de New York; das comunidades clandestinas na China às expressões públicas de fé no Canadá; do claustro da Grande Cartuxa na França às atividades paroquiais dos sacerdotes no Brasil; do estudo dos beneditinos em Monte Cassino ao dos seminaristas diocesanos nos Estados Unidos. Enfim, um seminarista que reconhecia a natureza divina da Igreja de Cristo e a ela era santamente submisso. Chegou o dia da ordenação presbiteral. Ele se encarregou que tudo sairia como ele sempre sonhara – como prescrevia a venerável Tradição. Paramentos, objetos sacros, cânticos: tudo digno! Contudo, pouco tempo exercendo o ministério sacerdotal, ele se deixou influenciar pelo nefasto pensamento que a fidelidade a tudo aquilo que ele sempre acreditou, não era condizente com seu zelo pastoral. Para não assustar as comunidades carentes de sua paróquia, ele deveria se despojar de ricos paramentos – aqueles que ele adquirira no início – e despojar as cerimônias daqueles seus detalhes tão significativos.

3º modelo – O ufanista. Missa solene na catedral da Diocese. O mestre-de-cerimônias foi um seminarista. Sobre a batina preta, ele vestiu uma rica sobrepeliz, ornada de renda renascença. Ele procurou a sobrepeliz que mais se dispusesse de detalhes e chamasse à atenção. Ele queria que, na missa, todos o admirassem, tanto pela função que estava a exercer, como pela veste que ele usava. Não importava se o Mistério deixasse ser percebido, o seminarista nem se importava com isso. E assim, ele sempre agia com essa intenção, seja quando usava alva de linho, cíngulos dourados, ou até mesmo quando rezava em latim – que não era o amor à Tradição, mas sim desejo de que os outros vissem que ele sabia rezar. O mesmo sentimento de promoção pessoal às custas da Liturgia o acompanhou depois da ordenação sacerdotal. E em maior proporção. Sim, pois agora ele poderia usar casulas brocadas, barretes, solidéus, e tudo o que o fizessem aparecer aos fiéis e, principalmente, que os padres – que foram seminaristas no mesmo tempo que ele – o vissem daquele modo: triunfante e majestoso, mas às custas da Liturgia de Nosso Senhor. Eis o erro que o Papa Bento XVI já condenou: fazer as cerimônias, de um modo ou de outro, com o intuito que elas se tornem tal qual o “bezerro de ouro” que os israelitas fizeram no deserto. Cerimônias que, ou com as rubricas desprezadas, ao gosto do celebrante; ou com tudo o que a Tradição possa ou podia oferecer – mesmo que isso signifique desenterrar costumes litúrgicos anteriores a Gregório Magno – e assim o celebrante apareça mais do que os Sagrados Mistérios. E assim, o tal padre é tido por conservador ou tradicionalista, mas o que o faz assim é o seu desprezível desejo de usar as cerimônias para a sua própria ufania.


Maledictus qui facit opus Dei negligenter
.
Maldito quem fez a Obra de Deus com negligência.

4º modelo – Serve bone et fidelis. Desde o seminário, ele sempre apreciou a Sagrada Tradição intimamente unida à Liturgia. De modo virtuoso e sóbrio, sempre usou as vestes que lhe eram permitidas, com o desejo que apresentar-se e servir dignamente ao Divino Redentor. Ele sempre compreendeu que os detalhes e as cerimônias da Sagrada Liturgia procuram mostrar aos nossos olhos os Mistérios que são celebrados. E isso o deixava maravilhado. Sempre gostou do latim, primeiro em obediência aos ensinamentos do Santo Padre: que estava nele a universalidade da Igreja; e, em segundo lugar, em cumprimento à “Sacrosanctum Concilium” que determinara o contínuo uso da língua latina. Continuou com o seu respeito ao que prometera em sua ordenação presbiteral: celebrar dignamente os sagrados mistérios segundo a Tradição da Igreja. Sua paróquia, mesmo em uma zona urbana economicamente desfavorecida, preservava o belo em sua simples decoração e a verdadeira adoração a Deus nas cerimônias. Continuou a ser fiel ao Magistério e dava igual valor ao Missal de Paulo VI e ao de João XXIII, este anterior à reforma do Vaticano II. Ele entendeu que o Concílio não significara ruptura e que podia, verdadeiramente, ter zelo pastoral aos seus fiéis e, ao mesmo tempo, obedecer devotamente a tudo que, divinamente, ditava a santa Igreja. Uma coisa não anulava a outra.


Rev.do Mons. Guido Marini
Mestre das celebrações litúrgicas pontifícias
preside Missa no altar Salus Populi Romani,
Basílica Santa Maria Maggiore

“Euge, serve bone et fidelis. Super pauca fuisti fidelis;
supra multa te constituam: intra in gaudium domini tui”.

Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel nas coisas pequenas,
dar-te-ei a intendência das grandes; entra no gozo do teu senhor.
(Mt XXV, 21)

 

No texto, foram relatados exemplos com seminaristas diocesanos, mas o mesmo pode ser verificado nas Ordens religiosas. Infelizmente, algumas delas adotaram uma linha progressista, tanto teológica, como pastoral. Abandonaram ou facultaram o uso do hábito. Se não conseguem ser fiéis à tradição própria da Ordem, como alguns religiosos poderão ser fiéis à Tradição da Igreja? Se algum religioso dá a devida importância àquilo que é merecedor disso , é criticado e analisado como vocação ao clero secular – conheço um caso assim; como se apenas nós, diocesanos, devêssemos obedecer ao Magistério. Acho que é salutar provinciais e priores reverem seus conceitos e convicções.

A quem muito foi dado, muito será cobrado!

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