O Papa Francisco diminui o território da Abadia de Monte Cassino
Desde os anos 600 o Abade de Monte Cassino fazia as vezes de Bispo — ou o era de fato — da região de 20 cidades em volta da de Cassino. O Papa fez, portanto, do Abade, sucessor direto de São Bento, um Abade Territorial, administrador eclesiástico de um território, como faz um Bispo.
Os conventos e mosteiros, por si só, possuem uma certa independência canônica do Bispo local. Porém, questões sérias e que também envolvem os fiéis da Diocese são de competência do Bispo. No status de Abadia Territorial, o seu Superior responde diretamente ao Papa, como um Bispo. Além de nomear um Abade com tal jurisdição, o Pontífice pode decidir também em, atendendo ao que se espera de um Territorial, nomeá-lo Bispo. Assim, além de administrar sua Abadia Territorial, ele poderá, por exemplo, ordenar os sacerdotes, sem mais depender canonicamente de outro Bispo para isso tanto.
Cátedra do Abade de Monte Cassino, na Catedral Basílica de Nossa Senhora Assunta,
cujo poder jurisdicional agora limita-se apenas ao Monte e não mais às 53 paróquias da Abadia Territorial
Ao longo da história, pela importância das Abadias e dos monges na Igreja e na sociedade, este privilégio papal foi dado a outros lugares pela Europa e alguns poucos lugares, somando uma dezenas de Abades Territoriais. Isto era a validação do poder espiritual e temporal que os superiores monásticos adquiriram com o esplendor de religiosidade e sabedoria emanados dos mosteiros. Muitos grandes e santos Abades ajudaram a Igreja em suas decisões e reformas.
Dom Pietro Vittorelli, Abade de Monte Cassino entre os anos 2007-2013,
o último Abade Territorial das 53 paróquias, agora anexadas à Diocese de Sora
Na imagem, tal como permitido aos Abades Territoriais, com mitra e cruz peitoral com cordão,
embora não tenha sido sagrado Bispo.
Visita de Bento XVI à Abadia de Monte Cassino, em 24 de maio de 2009.
Contudo, o Concílio Vaticano II recolheu e decidiu pelo parecer dos Bispos participantes de não dignificar mais Abadias com a dignidade de Territorial e as existentes ou fossem drasticamente reduzidas ou até mesmo extintas, transformando seus territórios em verdadeiras dioceses. O motivo é que o Abade, como pai espiritual em seu mosteiro, deve se ocupar inteiramente de sua função, sem se preocupar também com o que é de função exclusiva dos Bispos. Por isso, nos últimos anos, vimos Abadias Territoriais perderem o seu status, como, no Brasil, aconteceu à Abadia Territorial de Claraval (Minas Gerais), em 2002, e à Abadia Territorial do Rio de Janeiro, em 2003, que, sediada no Mosteiro na capital do Estado homônimo, administrava, porém, o vasto territorial do atual Estado de Roraima e não uma área em torno do mencionado Mosteiro. Em 2005, pouco tempo após ser eleito como Papa, Bento XVI decretou o fim da Abadia Territorial de São Paulo Fora-dos-Muros, que governava um certo território ao seu redor em Roma. O Abade tornou-se um comum (chamado “de regime”), só governando o Mosteiro, e para a Basílica Papal foi nomeado um Arcipreste (delegado papal), um Cardeal para administrar em nome do Papa.
Dom Pietro Vittorelli, de barrete violáceo (parte da veste episcopal, como é permitido também aos Abades Territoriais),
durante a sua bênção abacial, na Missa celebrada pelo Cardeal Re
Durante o rito, Sua Excelência recebeu a mitra e o báculo,
como numa sagração episcopal, mas que não se configurou a isto.
Em setembro de 2007, Bento XVI promoveu a Arcebispo Metropolitano de Gaeta o último Abade Territorial de Monte Cassino que foi Bispo. Um mês depois, os monges elegeram um novo Abade Territorial e, secretamente, enviaram o seu nome para aprovação papal, que só chegou em novembro seguinte. Dom Pietro Vittorelli recebeu a bênção abacial nos últimos dias de dezembro, em Missa celebrada — dada a sua relevância na Igreja — pelo então Prefeito da Congregação para os Bispos, Cardeal Giovanni Battista Re. Contudo, em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e as conhecidas sequelas disto, em junho de 2013, o então Abade Territorial apresentou sua renúncia ao cargo aos tenros 51 anos, enquanto continuava o tratamento para recobrar as faculdades físicas, uma vez que a metade de seu corpo permaneceu visivelmente comprometida.
Dom Donato Ogliari, 57 anos, novo Abade de Monte Cassino
Sua Excelência já era Abade de Nossa Senhora da Escada, em Noci (Itália), portanto, não receberá nova bênção abacial
Foram 16 meses de suspense sobre o novo Abade de Monte Cassino, enquanto os poucos monges, as 53 paróquias e os 80 mil fiéis eram governados pelo Administrador Apostólico Augusto Ricci, Prior da Abadia Territorial de Subiaco (onde São Bento iniciou sua vocação monástica). Ontem, dia 23 de outubro de 2014, o Papa Francisco nomeou o novo Abade, previamente eleito pelos monges: Dom Donato Ogliari, 57, anos, então Abade de Nossa Senhora da Escada, em Noci. Contudo, a nomeação pontifícia esteve acompanhada de uma novidade inesperada:
Pelos mesmos motivos de supressão de outras Abadias ao longo dos anos — os pedidos no Concílio Vaticano II, a necessidade de o Abade permanecer sempre ocupado unicamente com seu Mosteiro e aplicando um decreto de Paulo VI, Catholica Ecclesia, de 1976 — o Papa Francisco retirou de administração abacial as 53 paróquias, espalhadas em 20 cidades, com 80 mil fiéis, 50 religiosas, 37 sacerdotes diocesanos e os seminaristas, e transferiu tudo isto para a vizinha diocese de Sora-Aquino-Pontecorvo, já uma junção de outras 2 dioceses, mas sediada em Sora. Agora, com a nova configuração, ela é intitulada como Sora-Cassino-Aquino-Pontecorvo.
Foi uma surpresa, apesar dos motivos apresentados, por tratar-se de Monte Cassino, a antiguidade do estado de Abadia Territorial e a sua importância não só para a Igreja universal, mas principalmente para a vida monástica. Não que isto interfira na atenção que a Igreja tem para com os monges de todo o mundo, mas era inesperado. Como Monte Cassino era uma vasta Abadia Territorial (e, portanto, não algo simbólico apenas), com uma vida como qualquer outra diocese, apesar de o então Abade não ser Bispo, pensou-se que ela estava imune da supressão.
Apesar disto, sobrou um alento na notícia da supressão: embora todo o clero diocesano, os seminaristas, os fiéis leigos e as 53 paróquias agora serem de outra diocese, Monte Cassino não deixou totalmente de ser uma Abadia Territorial: o Pontífice decidiu que ainda seja Territorial o lugar onde está o Mosteiro e a Igreja, ou seja, somente o Monte, ao lado da cidade.
Dom Pietro Vittorelli, vestido como Bispo, acompanha Bento XVI
durante a visita do então Papa à Abadia de Monte Cassino, em 24 de maio de 2009.
O novo Abade Donato Ogliari não receberá bênção abacial, pois ele já o recebeu quando de seu cargo na Abadia de Nossa Senhora da Escada, em Noci, como dissemos. Resta agora a posse canônica em Monte Cassino. O Abade Territorial, ainda que não seja nomeado e sagrado Bispo (e mais: ainda que, como em Monte Cassino, só administre como Territorial o Monte onde está o seu Mosteiro), tem direito ao tratamento eclesiástico de “Sua Excelência Reverendíssima” e ao uso de todas as vestes prelatícias de um Bispo comum.