Direto da Sacristia
×
×

Como abençoar na Missa?

Postado em 30 novembro 2014por E. Marçal

Após mais de 16 séculos de evolução litúrgica, não se pode dizer que algo na Liturgia é simples obra do acaso, sem sentido ou sem história. Qualquer item nela tem um início, evolução, significado e explicação teológica. Nada é ex nihilo, nada na Liturgia nasceu do nada, isto é, ex nihilo nihil fit.

Sacerdote beija o altar durante a oração do Cânon da Missa, segundo o rito antigo
Imagem: Corpus Christi Watershed

Com a promessa de Cristo de que estaria com a Igreja até ao fim do mundo e de que enviaria o Seu Espírito e Ele revelaria toda a verdade, é religiosamente impossível acreditar, por exemlo, que a Missa ainda se chamaria “Fração do Pão”, sem desenvolvimento nos ritos que surgiu com o passar do tempo. Isto aconteceu de forma às vezes gradual e natural, segundo as exigências da espiritualidade de cada período.

Ainda vivemos em tempo recente da redescoberta e nova valorização das antigas tradições litúrgicas e até mesmo teológicas, que, em grande parte, ajudam-se na Liturgia. As rubricas não devem ser meras execuções de atos e palavras, sem exprimir, formando a espiritualidade de quem celebra e participa, os sentimentos espirituais de cada um. Para tanto, o seu estudo é algo indispensável. A nova valorização do grande patrimônio litúrgico da Igreja é recente porque saímos de uma forte geração que, em sua maioria, viu no Concílio Vaticano II uma inédita ruptura com o passado recente e pretendeu uma aleatória descoberta dos primórdios, esquecendo-se do que a Igreja conquistou nos últimos cinco séculos. Claro que a Tradição é uma só e não pode ser quebrada, mas não só a Igreja nascente tem valores, como o desenvolvimento litúrgico na Idade Média também. Hoje ainda é insuficiente a formação que muitos seminaristas recebem e que muitos Sacerdotes, de ordenação relativamente recente, receberam. Tentam compensar isto apenas imitando o que se tem feito como correto em certas circunstâncias ou interpretando por si mesmos o que acreditamo ser correto. Mas isto é perigoso. Por exemplo, surgimento de orações previstas e compiladas num livro, o Missal, quis manter a ortodoxia da doutrina celebrada nos ritos e evitar a criatividade dos ministros, de modo que em qualquer lugar que a Liturgia fosse celebrada estivesse de acordo com a fé católica, sem excedentes nem supressões.

Hoje ainda assistimos a fatos que demonstram claro desconhecimento ou até intenção desvirtuada da correta aplicação das normas litúrgicas, tais como:

1. Sacerdotes usando casula e dalmática (ou alternando o uso destes paramentos na Missa da Ceia do Senhor, ao depor a casula no rito do lava-pés), como se fossem Bispos ou Abades.

2. Sacerdotes e Diáconos usando solidéus pretos, numa pretensa valorização de direitos antigos, pensando que este item é de uso previsto a todos os clérigos, apesar mudando a cor, de acordo com sua dignidade. Contudo, isto nunca aconteceu na Igreja (http://diretodasacristia.com/home/heri-et-hodie/todos-podem-usar-solideu/)

A bênção na Missa

Como falávamos, os ritos evoluíram com o passar do tempo e o estudo de liturgistas e teólogos, com a aprovação oficial da Igreja, antes ou depois do surgimento de novos costumes. Inicialmente, a Missa não tinha bênção final, mas somente o Bispo saía da igreja abençoando a todos. Melhor dizendo, todas as bênçãos eram reservadas ao Bispo, como verdadeiro pastor da Igreja local. Mas o rito galicano do século VII introduziu o costume de sacerdote dar uma bênção ao povo após o Pai nosso da Missa.

Celebrante incensa durante a Missa na Catedral de Notre-Dame, de Paris, em comemoração dos 850 anos da dedicação da igreja
Imagem: Gonzague Bridault

A pura liturgia romana foi influenciada principalmente pelo rito galicano, trazido à Roma pelo imperador, resultando principalmente séculos depois na liturgia tridentina, da qual a forma ordinária hoje tem alguns resquícios. O rito galicano inaugurou um número maior de ritos (o da paramentação antes da Missa, por exemplo), mais solenidade (era própria da corte imperial) e enobreceu a simples liturgia romana. Portanto, começaram a aparecer nos posteriores sacramentários formulários que prescreviam ao Sacerdote uma oração de bênção super populum (tal como aquela da Celebração da Sexta-feira Santa), ao fim mesmo da Missa, precedida de um convite formal, tal como o conhecido “Inclinai-vos para receber a bênção”. Isto melhorou o costume galicano, preocupando-se que, se a bênção fosse depois do Pai nosso, como originalmente, o povo iria embora do templo.

A partir do século XII a bênção, também em Roma, passa a ser dada ainda no altar, depois do fim da Missa. A fórmula simples atual Benedicat vos omnipotens Deus Pater et Filius et Spiritus Sanctus aparece no Sínodo de Albi, em 1230. Contudo, em algumas ocasiões trataram de ornar com maior solenidade a bênção final sacerdotal, com elementos:

Ou em desuso hoje: acompanhar as palavras da bênção com um quádruplo sinal da cruz, na direção dos quatro pontos cardeais.
Ou hoje restritos aos Bispos, desde o século XIII: anteceder a bênção com os versículos Sit nomen Domini benedictum Adjutorium nostrum in nomine Domini e traçar três vezes o sinal da cruz.

A Idade Média, por fim, viu as Missas possuírem bênção final de seu Celebrante, mas foi preocupação estabelecer a diferença entre o poder da bênção episcopal e da sacerdotal. Portanto, o Bispo continuou a concedê-la simplesmente com a mão, mas o sacerdote deveu servir-se de um objeto sagrado como meio de abençoar. Deste modo, estão usadas relíquias (cujas bênçãos já era comuns desde o século XI) dos Santos ou da Cruz, a patena, o cálice, o corporal ou um crucifixo (como é visto em ritos orientais).

Os atuais gestos da bênção da Missa e das Laudes e Vésperas do Ofício Divino

Bênção-final.jpgNão é por acaso que a cruz está após o “Filho” nos textos de bênção gerais, não exclusivamente dos Bispos,
que abençoam com tríplice cruz, à esquerda, ao meio e à direita.

Alguns costumes desapareceram da bênção final, mas foram preservadas particularidades que exprimem conceitos evangélicos e genericamente teológicos. O Evangelho de São Lucas descreve que Nosso Senhor, antes de ascender aos céus, abençoou Seus discípulos elevatis manibus, erguendo as mãos (24, 50).  Portanto, desenvolveu-se o rito seguidamente descrito:

1. O Celebrante diz Dominus vobiscum com as mãos postas.
2. Às palavras Benedicat vos omnipotens Deus abre e eleva as mãos até a largura dos ombros e à altura de sua cabeça.
3. Antes de dizer Pater junta novamente as mãos.
4. Traça uma cruz grega (de 4 traços iguais) ao pronunciar et Filius.
5. Volta a juntar as mãos novamente ao dizer et Spiritus Sanctus.

O Bispo, como dissemos, desde o século XIII, ajunta antes da bênção os versículos Sit nomen Domini benedictum (fazendo uma cruz sobre o peito) e Adjutorium nostrum in nomine Domini (fazendo o sinal da cruz sobre si mesmo). Além disso, o Prelado traça, à menção de cada Santíssima Pessoa, uma cruz, primeiro à sua esquerda, depois ao meio e à sua direita. Isto continua prescrito na forma ordinária, de acordo com Cerimonial dos Bispos (nº 1120), nas Missas e nas Laudes e Vésperas Solenes do Ofício Divino. Senão, o Bispo concede uma bênção simples. Na forma ordinária, inclusive, se o Bispo for pronunciar a fórmula de bênção solene prevista para algumas ocasiões, diz o Dominus vobiscum e, omitindo os 2 versículos, pronuncia a fórmula solene e abençoa os presentes com os gestos descritos. Observem tudo isto no curto vídeo acima.

Já os Sacerdotes não devem, ao pronunciar o nome de cada uma das Santíssimas Pessoas, “pontuar” a cruz grega que traçam como sinal da bênção. Ou seja, não devem traçar a cruz enquanto dizem a fórmula completa da bênção final, pronunciando Pater e traçando a primeira metade da linha vertical da cruz; et Filius e traçando a segunda metade da linha vertical; et Spiritus Sanctus e traçando a linha horizontal completa da cruz grega. A teologia litúrgica diz que, quando o ministro pronuncia a bênção final de algum rito — que não seja solene como a Missa e as Laudes e as Vésperas do Ofício Divino —, mesmo o Bispo, o sinal da cruz deve acompanhar unicamente a menção do nome do Filho, uma vez que foi por Ele que fomos salvos no sacrifício cruente e perfeito da cruz. É por Ele que a cruz é sinal de salvação e é usada para abençoar. Isto é ainda mais confirmado quando vemos as cruzes presentes nos textos das Orações Eucarísticas, indicando ao Celebrante que, naquele instante, deve traçar o sinal da cruz sobre as ofertas. Observem como faz o Sacerdote no vídeo acima.

Portanto, o correto também é não “pontuar” o traço da cruz grega, seja em qualquer bênção, mas fazer um gesto contínuo.

_______________

Fonte bibliográfica: JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia. Paulus. 5ª edição. 2009.

Sugestões de artigos