Direto da Sacristia
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Ida dos brasileiros e primeira missa num avião

Postado em 10 outubro 2012por E. Marçal

Chegamos ao aniversário do maior evento da Igreja no século XX.

O Concílio Vaticano II foi o de maior número de todos os tempos. É presumível muitos de seus milhares de participantes sabiam a revolução daquela assembleia, depois de mais de 100 anos da última de seu perfil, e diante das mudanças e indagações vindas do avanço cultural, tecnológico e humano. Mas, poucos podiam imaginar como esse Concílio seria um divisor de águas como nenhum outro antes – sim, pois é normal que o período posterior a qualquer concílio divida opiniões, dadas as decisões que são tomadas.

Poderíamos definir, à exceção dos bons avanços que ocorreram, dois grandes pontos de divergência no Vaticano II:

um específico, a Liturgia, como uma das grandes reformas que, partindo de incompreensões tanto progressistas quanto conservadoras, ainda hoje é causa de profundas discussões; um mais abrangente, a hermenêutica da ruptura, já considerada absurda pelo então jovem Padre Joseph Ratzinger em um artigo seu na época, e que envolve vários pontos da doutrina da Igreja que, vista por alguns como inadequada hoje em muitos aspectos, foi desligada de anos de Tradição e diversamente apresentada nessas últimas décadas e disto sim – da ruptura – podemos identificar como causa de muitos problemas na Igreja.

Para comemorar este aniversário, não apresentaremos apologia do Vaticano II contra as suas más interpretações – como estão fazendo muitos blogs. Antes, iremos apresentar a riqueza daqueles dias a partir dos textos do maior cronista brasileiro do Concílio: Dom Boaventura Kloppenburg, frade franciscano que era padre quando testemunha ocular e depois morreu como bispo em 2009, emérito de Novo Hamburgo.

Os seus textos serão suficientemente detalhados para fazer-nos ingressar no ambiente da celebração do Concílio e no seu dia a dia; as opiniões ora contrárias ora iguais ou complementares entre os Padres; as suas sugestões – ora sensatas e consideradas, ora nem tanto; as votações dos documentos e como tudo isso se concluía.

A ideia deste especial é apresentar os mencionados textos não como crônicas de meio século atrás, mas como relatórios dos dias que acabaram de acontecer. Portanto, mesmo insiramos as datas originais – mas fora do texto -, os verbos não estarão em conjugação pretérita.

 No que permitirem nossas possibilidades, postaremos as crônicas dos dias mais significativos em discussões e assuntos.

* * *

[09-10 outubro 1962] 

Era já noite, lá pelas 21 horas do dia 9 do corrente, quando o aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, era invadido por mais de 100 prelados da Santa Igreja, Arcebispos e Bispos, mineiros e paulistas, gaúchos e goianos, matogrossenses e paranaenses, cariocas e capixabas, Padres Conciliares do Centro e Sul do País, a fim de seguirem para Roma, chamados pelo Papa, para o Segundo Concílio Ecumênico do Vaticano.

Muitos outros Bispos, preferindo a via marítima, já aportavam em terra da Europa ou para lá se encaminhavam.

Aeronave da Panair Cortesia do Governo brasileiro para a viagem dos Padres conciliares brasileiros 

Para nós outros, mais ousados talvez, lá estava, na pista do Galeão, o possante DC-8 a jato, da Panair, prefixo PDS, gentilmente oferecido pelo Presidente da República Dr. João Goulart, em homenagem ao grande Concílio Ecumênico. Aliás, representando o Sr. Presidente, lá estava, também, no Aeroporto, o Cel. Albino da Silva, Chefe da Casa Militar da Presidência da República. E, mais que tudo, como garantia da viagem, ilustre passageiro nos acompanhava. Era o próprio Diretor da Panair do Brasil Dr. Paulo Sampaio.

De súbito, ouviu-se o alto-falante: “Senhores passageiros da Panair, com destino a Roma, escala em Recife e Lisboa, por favor, façam suas despedidas e se apresentem ao portão de embarque”.

Eram já quase 22 horas quando decolava e roncava, céus afora, o enorme pássaro de aço, a caminho da Cidade Eterna. Entoamos, então, a “Salve Regina”. Viajávamos a 10.000 metros de altura, numa velocidade de quase 1000 quilômetros a hora. Faltavam 15 minutos para meia-noite, quando aterrissamos no Aeroporto dos Guararapes, na cidade do Recife. Imensa multidão se aglomerava à nossa espera. Eram velhos conhecidos e amigos. Eram padres e seminaristas, freiras e numerosas Irmãs de Caridade. Eram, sobretudo, outros valentes colegas no Episcopado que iriam juntar-se à nossa caravana.

Após carinhosa saudação aos Bispos por parte do Chefe da Casa Civil Dr. Hugo de Faria, e do agradecimento em nosso nome feito por Dom Hélder Câmara, de novo nos acomodávamos no bojo do avião e rompemos as nuvens carregadas. Lá em cima, brilhavam as estrelas e a lua se afogava no mar.

Às 4 horas, mais ou menos (hora do Brasil), já o dia clareava para nós. Atravessando o Atlântico em tão grandes alturas, eu me lembrava de quatro séculos passados, quando os descobridores cortavam os sete mares! Que diferença, meu Deus! A Europa agora estava tão perto. Olhamos para as bandas do Oriente e nos assustamos com uma nuvem escura e medonha que subia… Figuramo-nos às cenas de Lusíadas: “Tão temerosa vinha e carregada, que pos nos corações um grande medo…”.

Felizmente, porém, o gigante a jato se atirou sereno, roncando forte, sem receios… e o novo Adamastor se perdeu distante no caminho. Pela janela da aeronave entrava de cheio a luz dolar, acordando irreverente Suas Excelências, que dormiam a sono solto.

Dom José de Medeiros Delgado, então Arcebispo do Maranhão Rezou, por indulto de João XXIII, a primeira missa num avião 

Foi, então, que soou a voz de Dom Hélder Câmara: “Vamos ter a Santa Missa a bordo do avião. É uma concessão especial do Santo Padre. É a primeira vez que se celebra em tão grande altura”.

De fato, pouco tempo depois, o Arcebispo do Maranhão Dom José Delgado iniciava o Santo Sacrifício da Missa, acompanhado pelos 120 Bispos brasileiros.

Viajávamos a 11.500 metros sobre o Oceano. Era emociante ver aqueles Prelados todos se acotovelando no bojo do avião, para participarem, todos, da Sagrada Eucaristia. Ao dar a Ação de Graças, lembramo-nos de Frei Henrique de Coimbra quando, séculos passados, após longos meses no dorso do Oceano, ia esbarrar no ilhéu da Coroa Vermelha, para a Primeira Missa no Brasil. Graças, meu Deus! Aqui estão os mais de 100 Bispos trazendo a Portugal, numa mensagem de Fé, a mais bela resposta de uma nação cristã, conquistada à sombra da Cruz.

Às 10h30 (hora da Europa), descíamos em Lisboa, debaixo de uma chuva persistente. Demora curta, para tomarmos logo o destino de Roma. Mais três horas de viagem e furamos a massa de nuvens para aterrizar no Aeroporto “Fiumicino” da Cidade Eterna.

Para onde iremos? A multidão de Bispos da Terra da Virgem de Aparecida tinha uma casa de portas abertas, melhor que o mais fino Hotel de Roma, com um apartamento para cada Bispo, e tudo gratuito é tudo carinhosamente preparado. É um belo edifício, pertinho do Pio Brasileiro. É a “Domus Mariae”. É a Casa de Nossa Senhora, nossa Mãe e Padroeira.

+ Belquior Joaquim da Silva Neto, C.M
Bispo titular de Cremma e Coadjutor de Luz

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