Direto da Sacristia
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Domus Heroum – Um seminário tridentino

Postado em 25 agosto 2010por E. Marçal

Depois da supressão dos Jesuítas pelo Papa Clemente XIV e a expulsão da Sociedade de Jesus de vários reinos, entre eles o de Portugal, o antigo Colégio em Olinda estava desativado. Vacante a cátedra episcopal de Olinda, para ela foi eleito Azeredo Coutinho que, entre outros interesses, desejava instalar aqui um seminário segundo os decretos do Concílio de Trento e que, no seu modelo, seria o único no Brasil.

Capítulo II
A nomeação de Dom Azeredo Coutinho

Um seminário tridentino

Vista parcial do Seminário de Olinda

Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho nasceu em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, a 08 de setembro de 1742. Possuía nobre e ilustre ascendência. Aos 26 anos de idade, tendo feito os seus estudos primários e secundários na cidade do Rio de Janeiro, seguiu para Portugal, quando seus pais já eram falecidos; matriculou-se na universidade de Coimbra a conselho do seu respectivo reitor. Era seu parente, o bispo de Coimbra, Dom Francisco de Lemos de Faria de Azeredo Coutinho.


Em 1775, Dom José recebeu o grau de bacharel em Direito Canônico, e, no ano seguinte, o de doutor; apresentado para a dignidade de Arcediago (primeiro dos presbíteros) da catedral do Rio de Janeiro, em 1784, não entrou em exercício em virtude da subsequente nomeação que recebeu de deputado do Santo Ofício da Inquisição em Lisboa.


Recebeu o sagrado presbiterato em 26 junho 1786. Dotava de grande talento, que ainda mais realçava pelas suas virtudes e modéstia, ocupando uma posição de destaque na Academia Real de Ciências de Lisboa, e gozava assim de muita consideração. Achando-se vacante a sede episcopal de Pernambuco, o Príncipe-regente D. João apresentou-o para ocupar o cargo de tanta importância.


Dom Azeredo Coutinho
Fundador do Seminário de Olinda

A sagração episcopal teve lugar na Basílica do Convento de Jesus, em Lisboa, a 25 janeiro 1795. Foi sagrante principal o Bispo emérito de Algarve, Dom José Maria de Melo, com assistência dos bispos de Angola e Congo, Dom Luiz de Brito Homem, e de São Tomé e Príncipe, Dom Rafael de Castello de Vide.


Papa Pio VI
nomeou Dom Azeredo Coutinho
como Bispo de Olinda


Dom José tomou posse do Bispado de Olinda por procuração, pelo Deão Dr. Manoel de Araújo de Carvalho Gondim, a quem nomeou governador por provisão de 25 fevereiro do mesmo ano. Fez isso, enquanto em Lisboa adiava sua viagem para o Brasil, tratanto de sérios negócios referentes a sua diocese. Ocupava especialmente a sua atenção a criação de um seminário episcopal em Olinda. E não somente isto, como também os estatutos do seminário e um corpo docente habilitado, competente. A Rainha de Portugal, Dona Maria I, encontrava-se mentalmente instável desde que lhe tomaram conta ideias de que seu pai estaria sofrendo no inferno por ter permitido ao Marquês de Pombal perseguir e expulsar os Jesuítas do reino português. Portanto, seu filho, Dom João VI, tornou-se Príncipe-regente, e a ele Dom Azeredo Coutinho recorreu com o pedido de fundação do seminário episcopal em Olinda. Inúmeras dificuldades encontrou o reverendo Bispo por parte do Regente. Todavia, destemido e com incrível fortaleza, corajosamente disse Dom Azeredo: “Senhor, quando aceitei o Episcopado, não foi por amor às honras que lhe são inerentes, e sim para dirigir o rebanho que me foi confiado como Deus quer que ele seja dirigido. E se Vossa Alteza me nega os meios de fazê-lo, não sei eu, mas Vossa Alteza responsável no Tribunal Divino”. Por fim, convencido o Príncipe-regente, foi publicada a Carta na qual era doado ao Bispo de Olinda o antigo Colégio dos Jesuítas, e seus anexos e pertences.


Dona Maria I Rainha de Portugal
Doadora, por meio do Príncipe-regente,
do antigo Colégio dos Jesuítas ao Bispado de Olinda

Carta de doação da Rainha de Portugal
do antigo Colégio dos Jesuítas

___________________

Dona Maria
por graça de Deus, Rainha de Portugal
e dos Algarves; deste e daquele Mar em África,
Senhora de Guiné, Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc, etc.

Faço saber aos que esta Minha Carta de Doação e perpétuo contrato virem:

Que sendo-me presente o requerimento por parte do Reverendo Bispo de Pernambuco, Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, que na cidade de Olinda, capital daquele Bispado, existe ainda a Casa, que foi Colégio e habitação dos extintos Jesuítas, com a respectiva Igreja, alfaias a ela pertencentes, e àrea que é anexa à referida Casa e Colégio, e tudo conservado debaixo da apreensão e sequestro que nos bens dos sobreditos Regulares se fez pelo Meu Real Fisco.

E que achando-se o mencionado Colégio, Igreja, alfaias e cerca sem que lhe houvesse dado até ao presente destino ou aplicação alguma; e não se lhe podendo dar outra melhor e mais própria, que a de ser aplicado para um seminário de educação da mocidade, sem a qual se não podem criar sujeitos hábeis para desempenharem os Ministérios e Obrigações do Sacerdócio e do Império, ele pedia – o mesmo Reverendo Bispo, fosse Eu servida fazer doação do dito Colégio, Igreja, com todas as suas alfaias e cerca, à Igreja Catedral do Bispado de Pernambuco, para nele se estabelecer o referido Seminário na forma que se acha determinado pelo Santo Concílio de Trento, recomendado pelas Bulas da criação do mesmo Bispado e lembrando nas da confirmação do Reverendo Bispo.

Ao que tendo consideração e desejando com toda a eficácia concorrer para o bem e aumento espiritual da Igreja, e para a utilidade pública dos Meus fiéis vassalos, conformando-Me com as mencionadas Bulas Apostólicas: Hei por bem e Me alegra fazer pura, livre, perpétua e irrevogável doação à Santa Igreja Catedral de Pernambuco, do Colégio, Igreja – com todas as suas alfaias e cercas, que foram dos referidos e extintos Jesuítas e se acham no Meu Real Fisco, para que no mesmo Colégio se estabeleça o Seminário Episcopal, na forma suplicada pelo sobredito Reverendo Bispo etc, etc…

Dado no Palácio de Queluz, aos 22 dias do mês de março do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1796.

Seguem-se as assinaturas.

___________________

Vista do Seminário de Olinda
Ao fundo, a cidade do Recife

Antes, assinada em Lisboa a 18 março 1795, o Bispo de Olinda já se dirigira aos seus diocesanos por uma bela e eloquente carta pastoral de saudação. Agora, em posse daqueles interesses que lhe faltavam para chegar ao seu Bispado, Dom Azeredo Coutinho embarcou para Pernambuco a bordo da nau “Ligeiro Pensamento”, e 35 dias depois, no Natal do Senhor de 1798, pisou no porto do Recife. Passados 4 dias de sua chegada, fez sua entrada solene na cidade episcopal de Olinda e assumiu pessoalmente o governo da Diocese em 01 janeiro 1799. Começava um novo tempo, não só em Olinda, como também no Brasil.

Um dos primeiros cuidados do prelado foram os trabalhos necessários à instalação do Seminário. Por esforços do Bispo, o pagamento dos professores do Seminário viria dos cofres públicos; para ainda a sua manutenção, será cobrado um imposto anual sobre todas as pessoas da diocese, acima de doze anos. Quanto ao estudo, a Carta Régia de 13 abril 1798 do Governador da Capitania autorizara a transferência de alguns cursos do Recife para o Seminário. Depois de convenientemente reparado o velho edifício do Colégio, e feitas as acomodações necessárias à instalação do Seminário, realizou-se esta com solenidade e aparato no dia 16 fevereiro 1800, com trinta e dois estudantes sob a direção do reitor Cônego Dr. José de Almeida Nobre, que fora professo da Sociedade dos Jesuítas, e do Vice-reitor Pe. José Pinto de Carvalho.

Pelo programa dos estudos superiores sediados no Seminário, Olinda foi transformada em uma nova Coimbra, em referência ao status da universidade portuguesa. Da sede do Reino, entre outros, foram trazidos sacerdotes de Teologia Dogmática, Teologia Moral, Filosofia universal e Matemática. Por esse motivo, vários escritores da época teceram grandes elogios ao ilustre Bispo. Do estabelecimento, dizia um viajante que o visitou em 1808: “O Seminário é talvez o melhor que temo no Brasil, não pelo edifício, que todavia está reedificado e tem uma cerca, mas pela ordem e economia, não só ao que se refere à educação ingênua e liberal, mas, principalmente, à educação científica… Não há número certo de seminaristas, e cada um paga anualmente uma pensão. Além das aulas de belas-artes, tem ainda as de todas as ciências que podem formar um bom cidadão e um eclesiástico instruído; os seus professores se fazem dignos do conceito público de que gozam pelos seus notáveis conhecimentos, e o reitor é um homem sábio, vigilante e incansável”.

Divina inspiração a do sábio bispo Azeredo Coutinho. Não por acaso que daqui saíram homens célebres que, ordenados ao estado eclesiástico, iluminaram a Igreja nestas terras brasileiras. Não foram inúteis os esforços do venerando prelado e a semente que ele plantou nesse cume de Olinda. Semente que ele – por pouco tempo – viu crescer. Pouco tempo de seu governo no Bispado, ele recebeu a comunicação que um sucessor seu na cátedra de Olinda já estava eleito. O incomum era que o Bispo de Pernambuco nunca esteve ciente do processo.

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