Direto da Sacristia
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Bispo e príncipe: a mitra e a coroa

Postado em 12 julho 2011por E. Marçal

Mons. François Gayot, Arcebispo emérito de Cap-Haitien – Haiti
Ingresso em veste coral para paramentação
de Missa Pontifical nos Estados Unidos da América

 


Cardeal Pacelli, futuro Papa Pio XII,
endossando veste coral com capa magna
em procissão

Cardeal Pacelli, em veste coral e arminho
tem a mão osculada por uma fiel

 

Os bispos já foram chamados de Príncipes da Igreja – termo hoje usado exclusivamente aos Cardeais da Igreja. Essa titulação certamente tem origem no período do Sacro Império Romano, quando, além da circunscrição eclesiástica (bispado, arcebispado etc), ao bispo era confiada uma ou mais propriedades feudais. Por conseguinte, além de superior eclesiástico, o bispo também detinha o poder civil dentro de um território, tornando-se vassalo de um soberano. Semelhantemente acontecia com abades e abadessas: fora do poder espiritual do mosteiro, eles governavam como qualquer outra pessoa de sangue nobre nas veias. A nobreza episcopal também era admirada nos ritos litúrgicos, com todas as cerimônias que envolviam a figura do Sucessor dos Apóstolos. Nostalgicamente, o velho sacristão da Catedral de Olinda disse em maio passado: “Verdadeiramente, no passado os bispos eram príncipes mesmo”. Não que hoje o poder episcopal encontre-se desassistido de devida dignidade, mas inegavelmente as cerimônias hoje estão notoriamente simplificadas.

Sua Eminência Cardeal Burke endossando veste coral e capa magna
e usando o galero na entrega do Prêmio “Nulla Veritas sine Traditione
da Associação Internacional Católica “Tu es Petrus
Battipaglia, Itália
19 fevereiro 2011

Dom José Alves Correia da Silva
Bispo de Leiria (1920-1957)
envergando veste coral com arminho

 


Cardeal Siri
Arcebispo de Gênova (1953-1987)
em veste coral, capa magna e arminho

 

Atualmente, só dois bispos podem ser chamados como “Príncipes da Igreja”: o Bispo de Roma, com o pouco que resta dos Estados Pontifícios depois do Tratado de Latrão, e o Bispo de Urgell, de quem vamos tratar.

 

*

 

Mitra e coroa na cátedra
Andorra: quase uma teocracia

 
 
Com informações da Wikipédia e da agência Zenit
 
 

Andorra é mais um dos menores Estados independentes do mundo, entravado ao nordeste da Espanha e o sudoeste da França, na região da Catalunha. Segundo a lenda, foi fundado por Carlos Magno – um de seus orgulhos expressos no seu hino de seis linhas. Na bela canção, os andorranos vangloriam-se de serem os únicos filhos sobreviventes do Império Carolíngio e de serem livres e crentes há onze séculos. Ainda evocam a defesa de seus Príncipes. Aqui está a peculiaridade de seu governo, único no mundo: “monarquia” regida por dois Príncipes, ou seja, uma diarquia dividida entre o Bispo de Urgell com, hoje, o Presidente da República Francesa. Para compreendermos o desenvolvimento até os nossos dias, voltemos na História mais de um milênio.

 
 

Brasão de armas de Andorra
onde lê-se a sentença, do latim: Virtude unida é mais forte

 

Após a lendária fundação por Carlos Magno, o primeiro soberano de Andorra foi o Conde de Urgell, um nobre espanhol, no século IX. Posteriormente, a soberania foi comunicada ao bispo de Urgell; este, no século XI, na impossibilidade de governar sozinho, pediu auxílio a outro nobre espanhol, o senhor de Caboet, para que defendesse a região. Sucessivamente, os direitos de Caboet passaram a ser de posse do visconde de Castelbo, que, mediante contratos matrimoniais, foram herdados pelo conde de Foix, um nobre francês. Tal como aconteceu com os hebreus, que passaram a ser perseguidos pelo faraó, por este não ter conhecido José, o conde de Foix começou a lutar com o Bispo pela soberania de Andorra. Em 1278, porém, encerraram suas disputas e assinaram os acordos de Pareatge, tornando-se governantes conjuntos. Por herança, os encargos de Foix foram integrados a Navarra e, depois, para a coroa francesa. Enquanto isso, o bispado de Urgell permaneceu sob a tutela do condado de Barcelona e a coroa de Aragão.

 

Carlos Magno
lendário fundador de Andorra

Os copríncipes governaram na santa paz quase que interruptivamente, a não ser durante o verme da Revolução Francesa, com sua arrogância de que quase tudo era relapso e que todos deveriam ser iguais para haver a fraternidade e a liberdade – é difícil saber quem mais odiou a monarquia: os russos ou os revoltosos franceses. Porém, em 1806 os habitantes pediram a Napoleão Bonaparte que restituísse ao território o estatuto de principado. Atendido o pedido, o imperador interpretou que o decreto real de 1620 transmitia ao monarca francês parte da soberania de Andorra, qualquer que fosse a sua forma de governo e, portanto, voltou a exercer o poder de copríncipe.

 

S. Ex.cia Nicolas Sarkozy
Presidente da República francesa e copríncipe de Andorra

 

Sua Ex.cia Re.vma Mons. Vives
Arcebispo (título pessoal) de Urgell
e copríncipe episcopal de Andorra

 

Em 1993, a Constituição reafirmou o Coprincipado. Também determinou a democracia parlamentar como forma de governo, sendo Chefes de Estados o Presidente francês e o bispo de Urgell, e Chefe de Governo, o estadista eleito pela maioria do Conselho Geral dos Vales – 28 deputados eleitos para um mandato de quatro anos. Em vista disso, o Coprincipado é a única monarquia constitucional em que o Chefe de Estado, o copríncipe francês, é eleito democraticamente pelos cidadãos franceses. Em 2008, a Santa Sé ratificou o acordo com Andorra, segundo o qual, entre outros pontos, o Vaticano reconhece plenamente o bispo de Urgell como copríncipe de Andorra e permite que o governo andorrano emita sua opinião (algo hoje raríssimo) sobre o candidato que ocupará a sede Urgellensis, ainda que sua opinião não seja vinculante.

Apesar de tudo, em virtude de seus próprios atributos eclesiais e o veto explícito do cânon 285 § 3 do Código de Direito Canônico, o copríncipe episcopal só tem papel de consulta na administração de Andorra.

O Coprincipado não detém força militar, sua defesa cabe à Espanha e à França.

Os atuais copríncipe francês é Sua Excelência Nicolas Sarkozy e o copríncipe episcopal é Sua Ex.cia Re.vma Mons. Joan Enric Vives Sicilia, até o ano 2003 Bispo coadjutor de Urgell, quando sucedeu no bispado. Em 19 março 2010, certamente em razão de sua particular função, foi concedido ao Mons. Vives o título pessoal de Arcebispo, mesmo ele sendo bispo residente de um bispado.

 
 
Catedral_de_Santa_Maria_de_la_Seu_d'Urgell2

Vista parcial da Santa Igreja Catedral Santa Maria de la Seu d´Urgel

Urgell conta 2 igrejas-basílicas em sua jurisdição (ambas dedicadas à Mãe de Deus), sendo uma delas, a Santa Maria de la Seu d´Urgell, também igreja Catedral.

Curiosidades

A patrona do Coprincipado é Nossa Senhora de Meritxell, celebrada em festa nacional no dia 08 setembro e venerada em novo Santuário na localidade homônima (o antigo foi destruído por incêndio em 1972).

Das mais de 81 mil habitantes do censo de 2006, 86,6% são católicos.

As sete divisões administrativas locais são conhecidas como paróquias.

 
 
Euro circulado em Andorra
com o brasão de armas do Coprincipado
 

Apesar de não pertencer à União Europeia, em 1999 o Franco francês e a Peseta espanhola deram lugar ao Euro.

Não dispõe de trem, metrô ou aeroportos (a reabertura do aeroporto La Seu d´Urgell está em discussão com os governos espanhol e catalão), mas possui grande infraestrutura rodoviária, que cobre quase todo o Estado.

O serviço de correio é gratuito dentro do país.

A Constituição de Andorra define o catalão como língua oficial do Estado. Contudo, provenientes de imigrantes, outras línguas também são faladas no território: castelhana, portuguesa e francesa.

 

Vista da cidade andorrana de Santa Coloma

 

É um país próspero, com a maior expectativa de vida humana no mundo, em média de 83,52 anos.

 
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Mais um exemplo de um povo que ama a monarquia.
 

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