O Senhor é ungido em Betânia
O trecho do Evangelho de São João de hoje é uma das mais belas páginas da Escritura. Nele está expresso um amor sem limites e incondicional. Muito bem firmado na tradição evangélica e por isso corresponde certamente a um acontecimento histórico.
O Senhor, antes mesmo de ingressar em Jerusalém, volta à Betânia seis dias antes da Páscoa, onde Lhe é oferecido um jantar na casa de Lázaro. Marta – como em outro trecho – servia ao Senhor e Lázaro era um dos que também estava sentado à mesa. Maria – semelhantemente ao outro trecho, mais preocupada com o Senhor – “tomando quase meio litro de perfume de nardo puro e muito caro, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com os cabelos. A casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo”. O autor salienta a qualidade e quantidade do perfume o seu preço extraordinário. Uma libra de perfume equivaleria hoje a 330 gramas e o preço avaliado posteriormente por Judas era de trezentos denários. Para termos noção do que valia o perfume, recordemos que, no milagre da multiplicação dos pães, os Apóstolos reclamam a Jesus a exorbitância de duzentos denários de pão para alimentar os cinco mil homens que se encontravam com Ele…
João é o único Evangelista a relatar a presença de Judas no episódio. Este, já com o desejo de entregar o Mestre aos sumos sacerdotes, reclama do desperdício do valor do perfume, que deveria ter sido vendido por trezentas moedas de prata e a soma, dada aos pobres. Mais valor ele deu ao perfume, enquanto que o Senhor, ele aceitou vendê-Lo por um preço dez vezes menor. Todavia, o Evangelho insiste em dizer que Judas não estava preocupado com os pobres; ele desejava que o dinheiro conseguido com a venda fosse depositado na bolsa e roubado por ele, pois era ladrão.
E qual o motivo do gesto de Maria? Puro reconhecimento e agradecimento pela ressurreição de seu irmão feita por Cristo, como também pela amizade dispensada pelo Senhor a ela própria, juntamente a Lázaro e à sua irmã. Maria, na verdade, quebra o caráter festivo do banquete como antecipação da Última Ceia, e nele introduz o sinal do sepultamento do Filho de Deus, já que o perfume remete à morte.
Os evangelistas – não dizemos que divergem nos relatos -, mas cada um apresenta uma peculiaridade. João é o único que nomeia a mulher, mas não o único a dizer que o fato aconteceu em Betânia. Certamente houve duas unções, e o Discípulo Amado escreve que foi na casa de Lázaro. São Lucas (7, 36-50) não especifica o tempo, mas situa o fato no início de seu Evangelho na casa de Simão, um fariseu. Por outro lado, São Mateus (26, 6-13) e São Marcos (14, 3-9) firmam o acontecimento dois antes da Festa dos Pães Ázimos e que foi na casa de Simão, mas um leproso. Eles, ainda, descrevem o unção feita sobre a cabeça de Jesus, como indicação de uma homenagem devida aos convidados de honra – honraria não feita pelo anfitrião fariseu e reclamada por Jesus – e demonstração de amizade, como também um sinal de investidura messiânica.
Lucas relata uma atitude emocionante feita pela mulher pecadora, enquanto esta ungia os pés do Senhor: chorava e com as lágrimas banhava os Seus pés, enxugava-os com os cabelos e só pois os ungia com o perfume. O grande amor demonstrado pela mulher pecadora é contraposto à insensibilidade do fariseu: ausência da oferta pelo anfitrião da água para lavar os pés, a mulher regou-lhe com suas lágrimas e enxugou-lhes com seus cabelos; não foi recebido com o ósculo, mas a pecadora não cessou de beijar-Lhe; quando não foi ungido por ele, a mulher o fez.
Na verdade, o que aprendemos com qualquer uma das unções é o seguinte: a magnanimidade e superabundância do amor de quem ungiu o Senhor, contrastada com a insensibilidade de quem não entende o valor do gesto. Em João, Maria cumpre um versículo do Cântico dos Cânticos: “enquanto o rei se assentava à Sua mesa, dava o meu nardo o seu cheiro” (1, 12). Com o ato aprendemos a dispensar ao Senhor o nosso amor e demonstrá-lo em atitudes, o que não exclui o amor e atenção aos nossos irmãos, dando “a César o que é César e a Deus o que é Deus”. São Mateus frisa que Cristo elogiou o louvável e piedoso comportamento da mulher, ao dizer “Boa obra ela Me fez”. Assim, aprendemos o amor magnânimo que devemos manifestar no culto ao Senhor, como prova, dentre outras, de nossa adoração e o reconhecimento de Sua divindade, também em agradecimento de Sua redenção operada por nós e em nós. Assim refere-se São Josemaria Escrivá ao cenário evangélico da pecadora:
“Aquela mulher que, em casa de Simão o leproso, em Betânia, unge com rico perfume a cabeça do Mestre, recorda-nos o dever de sermos magnânimos no culto de Deus.
– Todo o luxo, majestade e beleza me parecem pouco.
– E contra os que atacam a riqueza dos vasos sagrados, paramentos e retábulos, ouve-se o louvor de Jesus: ‘Opus enim bonum operata est in Me‘ – uma boa obra foi a que ela fez comigo”.