Sobre o confessionário – Parte I
Em tempos em que muitas igrejas e muitos sacerdotes esquecem o confessionário como lugar da administração do sacramento da Penitência, e escolhem salas com ar condicionado, com duas cadeiras postas uma frente à outra, e [quando muito!] um crucifixo para assistir ao ato; ou, quando nem isso, o Sacramento é administrado em qualquer parte da igreja, interna ou externa – usando como motivo para isto a desde sempre infundada e hoje empoeirada desculpa de que o Sacramento, com a “renovação” da Igreja nas últimas décadas, não pode mais se prender a um objeto “frio” e ultrapassado, com grades, e que não expressa o sentido de reconciliação para o qual os termos “penitência” e “confissão” deram seu lugar. Mas, há situações extraordinárias, como a indisponibilidade de confessionário, que realmente não permitem o seu uso.
Mas, engana-se quem pensa assim. Todos os sacramentos têm o local próprio para a sua administração. É tanto, que o Papa Bento XVI exortou sobre o retorno ao confessionário quando discursou à Penintenciária Apostólica em 11 março de 2010: “Retornar para o confessionário, como lugar no qual celebrar o Sacramento da Reconciliação, mas também como lugar em que ‘habitar’ com mais frequência, para que o fiel possa encontrar misericórdia, conselho e conforto, sentir-se amado e compreendido por Deus e experimentar a presença da Misericórdia Divina, ao lado da Presença real na Eucaristia”. E ainda, definiu que a confissão sacramental, no confessionário!, é o caminho para a nova evangelização, que nasce da santidade dos filhos da Igreja (Discurso aos participantes do Curso de Foro Interno, da Penitenciária Apostólica, 09 março 2012).
Portanto, conheçamos mais a origem e a evolução do uso do confessionário. Veremos que ele é mais recente do que o Sacramento como o conhecemos hoje, apesar de que “teólogos” brasileiros, que nos envergonham, falarem que a confissão sacramental não existe, e deve ser aplicada, literalmente, o mandato “confessai-vos uns aos outros”, e isso, para eles, seria válido!
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O confessionário
Parte I
Da publicação da confissão sacramental
aos primeiros indícios de um local específico para ouvi-la
O confessionário data, segundo vários autores, do século XVI. Primitivamente, a confissão era pública, pelo menos nalgumas igrejas; por isso era desnecessário o confessionário. Contudo, depressa foi abolido este costume e já nos séculos II e III a confissão dos pecados recomendada pelos Sumos Pontífices, pelos bispos e sacerdotes, era a confissão secreta como podemos observar neste Decreto atribuído a Santo Evaristo: “Ut Presbyteri de occultis peccatis, jussione episcopi, poenitentes reconcilient, et sicut supra descripsimus, infirmantes absolvant et communicent”.
Um grave escândalo motivado pela confissão pública de uma nobre senhora de Constantinopla foi a causa de que, desde o ano 396, se generalizasse a prática da confissão secreta, recomendada depois explicitamente pelo Papa São Leão Magno, no século V.
Mas, mesmo para a confissão secreta, não foi requerido durante muitos séculos o confessionário ou coisa semelhante. Teodulfo, bispo de Orleans [n.e. na França], no século VIII, observa que no sacramento da Penitência, o sacerdote e o penitente se conservavam de joelhos diante de Deus.
Segundo o Ordo romanus X e o livro “De divinis Officiis”, atribuído ao grande Alcuíno, o penitente aproximava-se do ministro e, inclinando-se profundamente, recebia a sua bênção; depois sentava-se ao lado deste e confessava as suas faltas e escutava as admoestações do sacerdote.
Nos estatutos sinodais de Liége do ano de 1288, lemos o seguinte: “… Para ouvir as confissões, os sacerdotes escolherão na igreja um lugar público, bem patente… Ordenamos que o sacerdote conserve nas confissões um exterior reservado e os olhos modestamente baixos e não esteja frente a frente com o penitente, sobretudo se este é de diferente sexo. As mulheres confessam-se com o pescoço e a cabeça cobertos.
Todas estas prescrições, e principalmente a última, indicam suficientemente que nos catorze ou quinze primeiros séculos do Cristianismo, foi desconhecido o confessionário.
Papa João Paulo II ouve a confissão de um penitente.
Detalhe para a ponta da estola deixada para fora do confessionário
permitindo que o penitente, depois de absolvido, oscule-a indulgente, segundo o costume
No século XVI, São Carlos Borromeu proibiu a confissão de mulheres fora do confessionário, no qual existiria uma peça de madeira de separação entre o ministro e o penitente: “Extra sedem confessionalem et nisi médio inter cum et mulierem intercepto”. De onde se entende que até então o confessionário seria simplesmente uma cadeira como as descobertas nas catacumbas que, pela sua forma e posição nas capelas, mostram que serviram de confessionários.
Dom José Kreps, monge beneditino da Abadia de Louvain, em um artigo sobre a Penitência na antiga Liturgia de Liége, escreveu: “O confessionário como existe hoje ainda não era usado no ano de 1592. O Ritual de 1701 é o primeiro que o prescreve: ‘habeat in ecclesia sedem confessionalem, apto conspicuoque loco positam et crate perforata instructam’”. O de 1744 prova que o confessionário não era ainda nesta data de uso geral porque manda que as confissões das mulheres não sejam ouvidas “nonnisi a latere et per cratex interpositam”.
Continua…