… aedificabo Ecclesiam meam
Postado em 11 março 2011por E. Marçal
Confiteor…
Depois de meses sem postar nesta seção (e em outras, mas que voltarão a ser atualizadas), recomeço a tratar de assuntos que julgo serem importantes. O de hoje refere-se à herança que temos ao sermos católicos, e que não devemos esquecê-la ou desprezá-la, mesmo que involutariamente. Como a carteira de identidade nos identifica como cidadãos e garante a nossa existência na sociedade, assim também nós católicos possuímos uma, que não devemos trocar por nenhuma outra, ou nela acrescentar elementos estranhos.
A identidade católica
A pequena capela rural estava praticamente lotada. Aquele momento de oração entre eles acontecia semanalmente. A princípio, parecia uma oração como qualquer outra. Eu, do lado de fora, ouvindo acompanhava tudo o que estavam rezando. Até que, a certo ponto, a jovem que estava falando começou a dizer que todos deveriam se abrir à graça do Espírito Santo, e quem não sentisse algo fisicamente, era porque não estaria plenamente sensível à ação divina.
A jovem passou a pedir que um colocasse a mão no ombro da pessoa ao lado e, assim, o-r-a-s-s-e-m por ela. Seguiu-se um ensurdecedor barulho de várias vozes o-r-a-n-d-o ao mesmo tempo. Todos que estavam no interior da capela, fecharam os olhos e abaixaram a cabeça (segundo recomendações da jovem) e o-r-a-v-a-m insistentemente pela intenção da pessoa que estava ao seu lado. Eu, demasiadamente incomodado com aquilo, resolvi telefonar para uma pessoa muito próxima a mim e pedi que ela ouvindo o que eu estava ouvindo. Do outro lado, sem saber do que realmente se tratava, meu interlocutor perguntou-me se eu estava em um culto protestante, dada a semelhança do barulho de orações descompassadas e intelígiveis. Eu respondi que não, que eu estava em uma capela católica, acompanhando (mesmo que do lado de fora) um grupo de oração católico. A pessoa do outro lado da linha não acreditou, assim como eu não acreditei no que estava vendo e ouvindo, apesar de não ser a primeira vez a ver tudo aquilo.
Sinceramente, naquela noite enchi-me de tristeza. Sim. Não digo isso querendo parecer piegas ou exagerado, mas a tristeza foi meu sentimento. E preocupei-me ainda mais ao lembrar que aquele mesmo episódio acontece em várias paróquias do Brasil e do mundo.
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Isso aconteceu em janeiro passado. Presenciei o acontecimento durante as missões que fizemos durante as férias da universidade. A verdade é que a mesma coisa vemos com um simples zapear de canais na tv. Várias vezes já confundi católicos com protestantes segundo o modo de oração e de se comportar durante as celebrações.
Altar da Cátedra
decorado para a solenidade do dia 22 de fevereiro
Basílica do Vaticano
A Tradição da Igreja é como o baú citado no Evangelho, do qual tiram-se coisas antigas e novas (Mt 13, 52). Estas não superam as primeiras, nem aquelas suprem as segundas. E assim, a fé e os costumes que hoje vivemos devem concordar com o tesouro guardado desde os Apóstolos, o que disto passar, vem do Maligno (Mt 5, 37). São Paulo adverte aos Gálatas contra a pregação de uma nova doutrina diferente da que lhes foi ensinada: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema” (1, 8). Portanto, como católicos acreditamos que somente o Romano Pontífice pode legitimamente interpretar as Escrituras, até mesmo os dons citados por São Paulo em sua carta aos Coríntios (12, 7-10).
Dedicação do altar da Catedral de Albano
21 setembro 2008
Acredito que não só eu, como muitos leitores, conhecem os abusos que hoje são infiltrados em grupos de oração católicos e, cada vez mais comumente, na celebração da Santa Missa. Nossos cantos têm dado lugar a músicas protestantes, talvez disfarçadas com uma beleza agradável aos ouvidos, mas desprovidas do ensinamento salvífico operado pela Igreja. Enquanto que muitos dizem que amam a Igreja e não A trocam por outra fé (tal afirmação é louvável), são capazes de cantar músicas das mesmas igrejas (ou comunidades eclesiais) que insultam a Santíssima Eucaristia, desmerecem o Santo Padre, negam a santidade da Virgem Maria e tantos outras verdades essenciais à nossa fé. Há quem ainda assim defenda tal prática, usando o ecumenismo como desculpa. Não vou deter-me em tal argumento inútil, sabendo nós todos que o desejo de ver os verdadeiros cristãos numa só Igreja não passa pelo crivo de renunciarmos a nossa fé e adotarmos costumes que não sejam concordes com ela.
Martírio de Santo Estêvão
A perda de nossa identidade não acontece apenas nos cantos. Assistimos também a um total desprezo pela arte religiosa expressa em nossas igrejas. o que já foi a arte católica, hoje é trocada por traços e desenhos que pouco inspiram devoção ou nada inspiram. Não quero aqui afirmar que a única expressão de arte sejam os vitrais franceses e que até nesse aspecto o antigo é melhor. Não. Contudo, entre os traços que hoje, lamentavelmente, decoram muitas igrejas e os magníficos vitrais franceses, escolho indubitavelmente estes. Neles é possível contemplar aquela beleza lecional que na liturgia a Igreja nos apresenta como forma, ainda que distante, de mostrar o divino.
Veneração do ícone durante o Ressurexit
Domingo de Páscoa
Ainda depois de verificar a execução de músicas protestantes, também relativo ao canto litúrgico notamos o desejo de muitos de, renunciando ao que o Vaticano II disse, rejeitar o canto gregoriano como o oficial da Igreja. Assim pensando, é como que afirmam que nada antes da década de 60 é mais útil em nossos dias. Interpretam, erroneamente, o Concílio como uma grossa ruptura em quase dois milênios de fé e que tudo deve ser feito de novo, pois então não haverá uma evangelização fecunda. Desprezando a verdadeira arte, o canto gregoriano e outro canto digno, e outros tantos aspectos de nossa fé, tendem a afirmar que o povo não gosta de nada belo e que as pessoas são de curta inteligência. Que tudo deve ser minimizado, para não distanciar ninguém, e tudo deve ser simples, para que em tudo haja compreensão para todos. Agora, segundo quem pensa assim, nossa fé é racional; não há mais dogmas, nem mistérios, o que assim for, é ultrapassado e deve ser imediatamente descartado.
Genuflexão durante o “Incarnatus est“
na Missa do Galo
Caríssimos leitores, nossa fé é uma herança de dois milênios e nada, nem mesmo um movimento que é erroneamente ensinado e vivido, deve ser capaz de mudar nosso amor incondicioal a Deus e à Sua Igreja. Nenhum movimento é verdadeiramente bom se negar alguma parte da doutrina e dos costumes católicos. É como se a pobreza vivida por membros de ordens religiosas mendicantes, os fizesse pensar que a Igreja, para ser integralmente fiel a Cristo, devesse vender o Vaticano e gastar o valor com os pobres; e, ainda mais, se a mesma pobreza evangélica os fizesse assassinar todos os católicos que não pensam ou vivem como eles, como o faziam os Fraticelli¹. De outro extremo, se membros do clero diocesano, ou algum instituto clerical, quem não faz promessa de pobreza (apesar de serem pelo Vaticano II convidados a ela), criticassem aqueles que vivem radicalmente o voto evangélico. O que quero dizer é somente um movimento que, em sua singularidade, crer e praticar tudo o que diz e faz a Igreja, é realmente bom. Muitos são os carismas, mas nenhum deles deve contradizer a fé. O que normalmente acontece é que, um carisma aprovado pela Igreja, muitas vezes é distorcido por alguns membros, mas isso não quer dizer que seja maléfico aquele dom dado à Igreja pelo Espírito que A conduz, ruins são os que o leem de forma diversa do que foi aprovado.
Não queiramos descartar aquilo que moveu a Igreja por tantos séculos. Os belos paramentos, o latim, o canto gregoriano e outro canto digno, os antigos cânticos que atravessaram o tempo, a liturgia… tudo deve ser conservado. Assim o quer o Papa Bento XVI. Assim o quer os bispos que estão em comunhão com o Santo Padre. Assim o quer Deus! Isso tudo pertence à Igreja que foi edificada por Cristo, e aqui estamos nós, para defender e lutar pela vontade de Deus. Deus lo vult!
Amém.
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¹ Fraticelli: Erroneamente confundidos com os Fratricelli, foram católicos medievais que traçaram suas origens até os Franciscanos, mas que vieram a existir como uma instituição separada da Ordem. Foram frades franciscanos que viveram em parte da Itália, nos séculos XIV e XV, e que repudiaram a autoridade dos seus superiores e da hierarquia da Igreja. Eram extremos proponentes das ideias de São Francisco de Assis, especialmente no que diz respeito à pobreza, e consideravam a riqueza da Igreja como escandalosa. O Papa Bonifácio VIII os declarou hereges em 1296. O romance “O Nome da Rosa” de Umberto Eco, imortalizado no filme homônimo, trata da perseguição aos supracitados hereges.